Fausto Sampaio, o “pintor do Império” que deixou Macau na tela

Macau foi o primeiro porto de abrigo de Fausto Sampaio nas viagens que fez pelas antigas colónias portuguesas. Os retratos que produziu durante uma breve permanência de um ano no Extremo Oriente estão agora espalhados por várias instituições e colecções privadas e em Macau restam poucas obras do pintor. “Porto Interior de Macau”, tela pintada nos primeiros meses que passou no território, saiu no início da semana da Residência de São Bento, em Lisboa, para voltar ao Museu do Chiado.

 

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Joana Figueira

Na Sala da Lareira da Residência Oficial de São Bento, em Lisboa, Macau foi cenário de momentos com destaque na história recente de Portugal. Como pano de fundo dos discursos de vários dos últimos primeiros-ministros portugueses esteve durante quase trinta anos a Macau pincelada por Fausto Sampaio (1893-1971), pintor que registou em tela paisagens e marcas características das antigas possessões portuguesas no continente asiático. “Porto Interior de Macau” regressa agora à instituição de origem de onde saiu em 1989, o Museu do Chiado, para integrar o espólio do espaço museológico.

Fausto Sampaio é um dos exemplos “mais proeminentes” da primeira metade do século XX no que à pintura figurativista da primeira metade do século XX português diz respeito. A consideração é feita por Maria João Castro, investigadora no Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, no capítulo “O pintor viajante e o ultramar português: Fausto Sampaio e Jorge Barradas”, um artigo que integra o livro “Arte & Viagem”, de 2013.

No regresso a Lisboa em 1929, depois de um período de estudos em Paris, o pintor estabelece o primeiro contacto com o ultramar português, desconhecendo ainda que as viagens que viria a fazer por todas as ex-colónias portuguesas lhe valeriam o epíteto de “pintor do ultramar português”.

 

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A obra de Fausto Sampaio foi acarinhada e protegida pelo Estado Novo, que a ajudou a promover, colocando uma tónica particular na obra registada no Oriente. Maria João Castro explica que a preferência “se justifica pela pretensão do regime em aproveitar a sua obra para instalar um espírito colonial, a partir da pintura, entendida como instrumento de propaganda cultural. Na realidade, trata-se de um percurso singular que a crítica elogiou e o Estado Novo integrou nos valores consentâneos do Império, prolongando o território da metrópole, a partir das telas ultramarinas”, escreveu a investigadora.

 

Depois de uma primeira incursão na realidade colonial de São Tomé e Príncipe, a convite do seu irmão Carlos Sampaio, na altura destacado como chefe dos serviços de administração civil para Macau, o pintor deixa Portugal com destino ao território: “No seu ano macaense, o pintor produziu uma obra pictórica que deambulou entre as panorâmicas da cidade e do seu povo e os hábitos etnográficos tão distantes dos europeus ainda que se mantendo sempre dentro de uma familiaridade de indefinidos contornos figurativos”, aponta Maria João Castro.

A sua presença não se alongou, “mas teve influências em Macau. Era um pintor de mérito – não foi um Columbano Bordalo Pinheiro, nem um José Malhoa, não atingiu essa estratosfera em Portugal –, e registou momentos ‘exóticos’ de Macau, desde sampanas de vela aberta, figuras interessantes da paisagem humana de Macau, como também o interior de uma casa de ópio”, sublinhou Carlos Marreiros, arquitecto macaense, em declarações ao PONTO FINAL.

Pintar o interior de uma casa de ópio não se figurava tarefa fácil em 1936, mas foi aí que a pintura de Fausto Sampaio ganhou dimensão, acredita Marreiros: “Os quadros para além do valor artístico têm hoje este valor iconográfico e até antropológico de mostrar imagens da época”, diz o arquitecto. Marreiros destaca que “alguns artistas locais, quer portugueses e macaenses – mormente –, quer alguns chineses também” foram beber influência aos trabalhos de Sampaio. Luís Demée e José Herculano Estorninho são mencionados como exemplo.

 

“A MAIOR PARTE DA OBRA DE FAUSTO SAMPAIO NÃO ESTÁ EM MACAU”

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A substituição das obras de arte expostas na Residência de São Bento foi noticiada pelo jornal “Público”, que avança que a tela que se intitula “Porto Interior de Macau” e mostra a foz do delta do Rio das Pérolas não é caso isolado. O propósito passa por dar espaço à arte contemporânea. São no total 35 as obras retiradas das paredes da residência oficial do Primeiro-Ministro português, sendo que a da autoria de Fausto Sampaio regressa ao Museu do Chiado, instituição de origem.

Margarida Saraiva, historiadora de Arte radicada em Macau, adiantou ao PONTO FINAL que “a maior parte da obra de Fausto Sampaio não está em Macau”. Defende, porém, que deve ser readquirida ao Estado Português e a instituiççoes portuguesas: “De alguma forma é património também de Macau e se calhar está muito dispersa por várias instituições e também por colecções privadas. E se calhar não faz tanto sentido lá como faria se estivesse cá”, afirma sobre o trabalho do pintor impressionista e paisagista.

“A importância é mais para Macau do que para Portugal. É fundamental para Macau que a sua paisagem tenha sido registada com a qualidade com que o fez Fausto Sampaio. De resto, se fosse possível ter essa obra cá seria o ideal, ou seja, se houvesse efectivamente um esforço em readquirir esses materiais e essas pinturas. Era bom que integrassem os museus da RAEM, fosse que museus fosse”, defende.

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